Ao longo da série, Chaves exerceu várias profissões, algumas esporadicamente.
Podemos observar em episódios como “Os Campeões de Ioiô”, “O Bilhete de Loteria” e “Nem Todos os Bons Negócios são Negócios da China”, a função de vendedor assumida pelo protagonista da série.
Em episódios como “Um Porquinho de Cada Vez”, “O Calo do Sr. Barriga”, “A limpeza do pátio” e “O Professor Apaixonado”, percebemos funções similares a de catadores de materiais recicláveis assumidas pelo personagem.
Nos episódios “Lavagem Completa” e “Um Astro Cai na Vila”, o personagem assume funções de lavador e vigia de carros.
Percebemos que a situação vivenciada por Chaves reflete, especialmente, a realidade de vários países latino-americanos, até mesmo nos dias atuais. Muitas crianças, por necessidade financeira e questão de sobrevivência, decidem trabalhar para adquirirem recursos que solucionem suas necessidades mais básicas. Vários países contam com o apoio de entidades como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e programas nacionais de combate ao trabalho infantil.
Antes da abordagem sobre tais programas e a posição de determinadas entidades, podemos analisar, facilitando na compreensão do tema, a história recente do trabalho infantil.
O trabalho infantil e a Revolução Industrial
Na segunda metade do século XVIII e início do século XIX, a produção mecanizada foi substituindo gradativamente a produção manual. Fábricas iniciaram suas expansões por todos os lugares, primeiro na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Os donos das fábricas encontraram uma nova fonte de trabalho para a operação de suas máquinas — crianças. A operação não necessitava de força adulta e crianças poderiam ser contratadas com menor custo do que os adultos. Em meados do século XIX, o trabalho infantil era um grande problema.
Crianças sempre trabalharam, especialmente na agricultura. Mas o trabalho de fábrica era pesado. Uma criança com emprego em fábrica deveria trabalhar de 12 a 18 horas por dia, seis dias por semana, para ganhar um dólar. Muitas crianças começaram trabalhando antes dos 7 anos de idade, cuidando de máquinas ou rebocando cargas pesadas. As fábricas eram frequentemente abafadas, escuras e sujas. Algumas crianças trabalhavam no subterrâneo, em minas de carvão. As crianças que trabalhavam não tinham tempo para brincar ou ir à escola, além de pouco tempo para descansar. Adoeciam com grande frequência.
Em 1810, cerca de 2.000.000 de crianças com idade escolar estavam trabalhando de 50 a 70 horas por semana.[1] Muitas vieram de famílias pobres. Quando os pais não podiam apoiar suas crianças, algumas vezes as entregavam para um dono de fábrica. Uma fábrica de vidros em Massachusetts foi cercada com arame farpado “para manter os jovens diabinhos dentro”. Os “jovens diabinhos” eram meninos com menos de 12 anos de idade que transportavam cargas de vidro quente a noite toda por um salário de 40 centavos a $1.10 por noite.
Igreja e grupo de trabalhadores, professores e muitas outras pessoas ficaram indignados por tamanha crueldade. Começaram a pressionar por reformas. O escritor inglês Charles Dickens ajudou a divulgar os males do trabalho infantil com seu romance Oliver Twist. A Grã-Bretanha foi a primeira a aprovar leis que regulavam o trabalho infantil. De 1802 a 1878, uma série de leis gradualmente reduziram as horas de trabalho, melhoraram as condições e aumentaram a idade em que crianças poderiam trabalhar. Outros países europeus adotaram leis similares.
Podemos analisar, a seguir, a visão atual da sociedade e a tendência de combate ao trabalho infantil, através de programas governamentais, além do apoio de determinadas entidades.
O combate ao trabalho infantil no Brasil
O trabalho no Brasil é proibido para menores de 14 anos e, desta idade até os 15 anos, só é permitido na condição de aprendiz. Entre os 16 e 17 anos o trabalho é liberado, desde que não comprometa a atividade escolar e que não ocorra em condições insalubres e com jornada noturna.
O trabalho infantil está em declínio no país. De acordo com o IBGE, o número de trabalhadores de 5 a 17 anos de idade caiu de 5,3 milhões em 2004 para 4,3 milhões em 2009, o que representa 9,8% das crianças e adolescentes do País.[2] As políticas de combate ao trabalho infantil estão a cargo do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS), responsável pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Famílias com crianças e adolescentes de até 16 anos que atuam em carvoarias, olarias, plantações de fumo, lixões, na cultura de cana-de-açúcar, entre outras atividades, recebem bolsas que substituem a renda gerada pelo trabalho irregular. Em contrapartida, devem matricular a criança ou o adolescente na escola e comprovar frequência mínima de 85% da carga horária escolar mensal. No caso de crianças menores de 7 anos, os pais devem cumprir o calendário de vacinação e fazer o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. O PETI atende mais de 820 mil crianças afastadas do trabalho em mais de 3,5 mil municípios brasileiros.
No entanto, há quem defenda a regulamentação do trabalho infantil. A pesquisadora Martha Maria Gonçalves de Carvalho, doutora em ciências sociais pela PUC-SP, ressalta que devemos reconhecer a existência do trabalho infantil e regulamentá-lo. A linha defendida pela mesma destoa da seguida por entidades como UNICEF (braço da ONU para a infância), que propagam o fim da atividade, sem considerar a possibilidade de tal “adaptação”.
Martha se diz contrária ao trabalho infantil, mas vê a necessidade de amparar os jovens que atualmente precisam contribuir com a renda familiar e ainda não foram beneficiados por programas de assistência do governo.[3]
O combate ao trabalho infantil no contexto global
Milhões de crianças trabalham para ajudar suas famílias em maneiras que não são prejudiciais ou exploradoras. Todavia, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que em torno de 150 milhões de crianças entre 5 a 14 anos de idade em países subdesenvolvidos estão envolvidas no trabalho infantil.[4] A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que em todo o mundo, em torno de 215 milhões de crianças com menos de 18 anos de idade trabalham, muitas em tempo integral. Na África Subsaariana, 1 (uma) em cada 4 (quatro) crianças com 5 a 17 anos de idade trabalham, comparado a 1 (uma) em cada 8 (oito) na Ásia-Pacífico e 1 (uma) em cada 10 (dez) na América Latina. Apesar de números agregados sugerirem que mais meninos estão envolvidos do que meninas, muitas meninas estão envolvidas em formas de trabalho que não são perceptíveis. Estima-se que cerca de 90% das crianças envolvidas no trabalho doméstico são meninas. Embora a prevalência do trabalho infantil venha caindo nos anos recentes em todos os lugares, com exceção da África Subsaariana, onde na realidade vem crescendo em relação às crianças com 5 a 14 anos de idade, continua prejudicando o desenvolvimento físico e mental das crianças e adolescentes, interferindo na educação.
O trabalho infantil reforça ciclos de pobreza entre gerações e enfraquece economias nacionais. Não é apenas uma causa, mas também uma consequência das desigualdades sociais reforçadas por descriminação. Crianças de grupos indígenas ou castas inferiores são mais propensas a abandonar a escola para trabalhar. Crianças migrantes também são vulneráveis ao trabalho oculto e ilícito.
UNICEF apoia o plano para alcançar a eliminação das piores formas de trabalho infantil até 2016, que exige uma resposta integrada ao trabalho infantil. Apoia comunidades na mudança da aceitação cultural do trabalho infantil, apoiando também estratégias e programas que proporcionam alternativas de renda para as famílias, acesso a creches, educação de qualidade e serviços de proteção.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as seguintes formas de trabalho infantil são consideradas as piores:
– Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívidas, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
– Utilização, recrutamento e oferta de criança para fins de prostituição, produção ou atuações pornográficas;
– Utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes, conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;
Trabalho penoso: embora citado no Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda não foi regulamentado. Informalmente, entende-se que o trabalho penoso é o que provoca desgaste físico e/ou psicológico. Exemplo: aquele que demanda o emprego da força muscular acima da capacidade física, ou exercido em carga horária excessiva. Na acepção da palavra, “penoso” significa o que causa sofrimento, desconforto e dor.
Trabalho noturno é aquele realizado: das 22h de um dia às 5h do dia seguinte, em atividade urbana; das 21h de um dia às 5h do dia seguinte, na agricultura; das 20h de um dia às 4h do outro dia, na pecuária.
OIT considera algumas formas de trabalho como decentes. Segundo a entidade, trabalho decente é toda ocupação produtiva adequadamente remunerada e exercida em condições de liberdade, equidade e segurança e que seja capaz de garantir uma vida digna para as pessoas em idade permitida para trabalhar e proteger as crianças e adolescentes de todo tipo de exploração no mundo do trabalho. O trabalho decente permite satisfazer às necessidades pessoais e familiares de alimentação, educação, moradia, saúde e segurança; garante proteção social nos impedimentos ao exercício do trabalho (desemprego, doença, acidentes, entre outros) e assegura renda ao chegar à época da aposentadoria.[5]
Explorações retratadas na série
Percebemos, em momentos específicos, algumas formas de exploração retratadas na série. Tais formas podem ser consideradas menos graves e alarmantes, mas são importantes para reflexão.
As funções de engraxate, auxiliar e aprendiz de sapateiro são exercidas pelo protagonista da série em episódios como “Confusão no Cabeleireiro”, “Seu Madruga, o Sapateiro” e “O engraxate”. Podemos observar, especificamente no segundo, uma espécie de exploração por parte de Seu Madruga, ainda que retratada de forma branda.
O Professor Girafales comparece à vila para visitar a Dona Florinda e resolver um suposto problema com suas botas. Tenta demonstrar ao Seu Madruga os possíveis problemas e logo em seguida, ao sentar-se no banco de clientes, aguarda a tentativa de Seu Madruga em retirar uma de suas botas. Seu Madruga pede o auxílio de Chaves, que rapidamente se prontifica. No exato momento de auxílio, surge um diálogo entre Professor Girafales e Chaves.
O Professor Girafales pergunta:
– Você também trabalha, Chaves?
Chaves responde:
– Como se fosse uma mula.
O Professor reformula a pergunta:
– Digo, você também trabalha, ajuda a consertar sapatos?
Chaves explica sua situação:
– Bem, eu ajudo o Seu Madruga e ao mesmo tempo ele me ensina. É 1 (um) cruzeiro diário.
Professor Girafales pergunta ao Seu Madruga:
– O senhor não acha que paga muito pouco para seu ajudante?
Chaves revela:
– Não, o dinheiro ele não paga pela minha ajuda. Ele cobra pelo que me ensina.
Seu Madruga tenta justificar:
– Bem, sairia mais caro na Universidade de Londres, não é?
Professor Girafales diz:
– Disso falaremos depois.
Através destas falas, observamos uma forma de exploração, ainda que menos alarmante se comparada a casos mais graves. A situação é retratada até mesmo de forma bem humorada, devido à esperteza do Seu Madruga.
Chaves assume funções de auxiliar e garçom em determinados episódios da série ambientados no restaurante. No episódio “Eu sou a mosca que caiu na sua sopa”, percebemos os detalhes de sua contratação para trabalhar no restaurante. A análise da contratação foi realizada no artigo: A contratação de Chaves no episódio “Eu sou a mosca que caiu na sua sopa”.
A exploração volta a ser tema no episódio “Reivindicação salarial para o Chaves”.
Dona Neves resolve defender Chaves, protestando no restaurante com o objetivo de conseguir um salário fixo para o menino do barril, além das gorjetas. Decide perguntar ao Chaves quanto ele ganha diariamente. Chaves afirma que apenas as gorjetas.
Momentos depois, Dona Neves chama suas companheiras de protesto, que carregam placas com siglas representativas dos organismos que apoiam o comitê de greve. Ao mencionarem o significado de cada sigla, percebemos que o protesto também era favorável a outras causas similares.
Dona Neves sugere a Chaves que só trabalhe se Dona Florinda confirmar seu salário mínimo. Podemos observar que no decorrer da negociação, Jaiminho é prejudicado por não conseguir comer sua torta.
Nos momentos finais do episódio, após Dona Neves retirar-se do restaurante, Dona Florinda inicia um diálogo de entendimento com Chaves:
– E você, Chavinho, vai ter um salário. E poderá trabalhar quando quiser. Menos no horário da escola.
Chaves responde, sorridente:
– Obrigado!
No final, Chaves finalmente entrega a torta para Jaiminho.
Notamos na fala de Dona Florinda, após perceber sua condenável atitude com o Chaves, uma maior preocupação com o comparecimento do menino à escola, evitando prejudicar seu desenvolvimento educacional.
Por todos os aspectos apresentados, percebemos que muitas crianças, movidas pela necessidade financeira, optam por trabalhar, buscando soluções imediatas para seus maiores problemas. Este é o caso de Chaves, um menino órfão que não consegue suprir suas necessidades básicas, especialmente relacionadas à alimentação. Podemos observar também que existem casos mais graves e preocupantes de trabalho infantil no contexto global, principalmente em países subdesenvolvidos. As formas mais graves privam as crianças da infância, interferem na frequência à escola, além de prejudicarem o desenvolvimento mental, físico, social e moral. Apesar dos resultados positivos no combate ao trabalho infantil, muitas crianças ficam desamparadas e sem acesso aos programas sociais que auxiliam no desenvolvimento de suas vidas.
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